A HISTÓRIA DA GRANDE TORRE
Se o teu sol é verdadeiro, não tenha medo
das
nuvens que o encobrem, pois um dia elas
se
dissiparão e o brilho do sol voltará... (Augusto Cury)
Num tempo não muito
distante do nosso, a humanidade ficou tão caótica que os homens fizeram um
grande concurso. Eles queriam saber qual a profissão mais importante da
sociedade. Os organizadores do evento construíram uma grande torre dentro de um
enorme estádio com degraus de ouro, cravejados de pedras preciosas. A torre era
belíssima. Chamaram a imprensa mundial, a TV, os jornais, as revistas e as
rádios para realizarem a cobertura.
O mundo estava
plugado no evento. No estádio, pessoas de todas as classes sociais se espremiam
para ver a disputa de perto. As regras eram as seguintes: cada profissão era
representada por um ilustre orador. O orador deveria subir rapidamente num
degrau da torre e fazer um discurso eloqüente e convincente sobre os motivos
pelos quais sua profissão era a mais importante da sociedade moderna. O orador
tinha de permanecer na torre até o final da disputa. A votação era mundial e
pela Internet. Nações e grandes empresas patrocinavam a disputa. A categoria
vencedora receberia prestígio social, uma grande soma em dinheiro e subsídios
do governo. Estabelecidas as regras, a disputa começou. O mediador do concurso
bradou: “O espaço está aberto!”
Sabem quem subiu
primeiro na torre? Os educadores? Não! O representante da minha classe, a dos psiquiatras.
Ele subiu na torre e
a plenos pulmões proclamou: “As sociedades modernas se tornarão uma fábrica de
estresse. A depressão e a ansiedade são as doenças do século. As pessoas
perderam o encanto pela existência. Muitas desistem de viver. A indústria dos
antidepressivos e dos tranqüilizantes se tornou a mais importante do mundo.” Em
seguida, o orador fez uma pausa. O público, pasmo, ouvia atentamente seus
argumentos contundentes.
O representante dos
psiquiatras concluiu: “O normal é ter conflitos, e o anormal é ser saudável. O
que seria da humanidade sem os psiquiatras? Um albergue de seres humanos sem
qualidade de vida! Por vivermos numa sociedade doentia, declaro que somos,
juntamente com os psicólogos clínicos, os profissionais mais importantes da
sociedade!”
No estádio reinou um
silêncio. Muitos na platéia olharam para si mesmos e perceberam que não eram
alegres, estavam estressados, dormiam mal, acordavam cansados, tinham uma mente
agitada, dores de cabeça. Milhões de espectadores ficaram com a voz embargada.
Os psiquiatras pareciam imbatíveis.
Em seguida, o
mediador bradou: “O espaço está aberto!” Sabem quem subiu depois? Os
professores? Não! O representante dos magistrados — os juizes de direito.
Ele subiu num degrau
mais alto e num gesto de ousadia desferiu palavras que abalaram os ouvintes:
“Observem os índices de violência! Eles não param de aumentar. Os seqüestros,
assaltos e a violência no trânsito enchem as páginas dos jornais. A
agressividade nas escolas, os maus-tratos infantis, a discriminação racial e
social fazem parte da nossa rotina. Os homens amam seus direitos e desprezam
seus deveres.”
Os ouvintes menearam
a cabeça, concordando com os argumentos. Em seguida, o representante dos
magistrados foi mais contundente: “O tráfico de drogas movimenta tanto o
dinheiro como o petróleo. Não há como extirpar o crime organizado. Se vocês
querem segurança, aprisionem-se dentro de suas casas, pois a liberdade pertence
aos criminosos. Sem os juizes e os promotores, a sociedade se esfacela. Por isso,
declaro, com o apoio dos promotores e do aparelho policial, que representamos
a classe mais importante da sociedade.”
Todos engoliram em
seco essas palavras. Elas perturbavam os ouvidos e queimavam na alma. Mas
pareciam incontestáveis. Outro momento de silêncio, agora mais prolongado. Em
seguida, o mediador, já suando frio, disse: “O espaço está
novamente aberto!”
Um outro
representante mais intrépido subiu num degrau mais alto da torre. Sabem quem
foi desta vez? Os educadores? Não!
Foi o representante das
forças armadas. Com uma voz vibrante e sem delongas, ele discursou: “Os homens
desprezam o valor da vida. Eles se matam por muito pouco. O terrorismo elimina
milhares de pessoas. A guerra comercial mata milhões de fome. A espécie humana
se esfacelou em dezenas de tribos. As nações só se respeitam pela economia e
pelas armas que possuem. Quem quiser a paz tem de se preparar para a guerra. Os
poderes econômico e bélico, e não o diálogo, são os fatores de equilíbrio num
mundo espúrio.” Suas palavras chocaram os ouvintes, mas eram
Inquestionáveis.
Em seguida, ele
concluiu: “Sem as forças armadas, não haveria segurança. O sono seria um
pesadelo. Por isso, declaro, quer se aceite ou não, que os homens das forças
armadas não são apenas a classe profissional mais importante, mas também a mais
poderosa.” A alma dos ouvintes gelou. Todos ficaram atônitos.
Os argumentos dos
três oradores eram fortíssimos. A sociedade tinha se tornado um caos. As
pessoas do mundo todo, perplexas, não sabiam qual atitude tomar: se aclamavam
um orador, ou se choravam pela crise da espécie humana, que não honrou sua
capacidade de pensar.
Ninguém mais ousou subir na torre. Em quem votariam?
Quando todos pensavam
que a disputa havia se encerrado, ouviu-se uma conversa no sopé da torre. De
quem se tratava? Desta vez eram os professores. Havia um grupo deles da
pré-escola, do ensino fundamental, do médio e do universitário. Eles estavam
encostados na torre dialogando com um grupo de pais. Ninguém sabia o que
estavam fazendo. A TV os focalizou e projetou num telão. O mediador gritou para
um deles subir na torre. Eles se recusaram.
O mediador os
provocou: “Sempre há covardes numa disputa.” Houve risos no estádio. Fizeram
chacota dos professores e dos pais.
Quando todos pensavam
que eles eram frágeis, os professores, com o incentivo dos pais, começaram a
debater as idéias, permanecendo no mesmo lugar. Todos se faziam representar.
Um dos professores,
olhando para o alto, disse para o representante dos psiquiatras: “Nós não
queremos ser mais importantes do que vocês. Apenas queremos ter condições para
educar a emoção dos nossos alunos, formar jovens livres e felizes, para que eles
não adoeçam e sejam tratados por vocês.” O representante dos psiquiatras
recebeu um golpe na alma.
Em seguida, um outro professor
que estava no lado direito da torre olhou para o representante dos magistrados
e disse: “Jamais tivemos a pretensão de ser mais importantes do que os juizes.
Desejamos apenas ter condições para lapidar a inteligência dos nossos jovens, fazendo-os amar
a arte de pensar e aprender a grandeza dos direitos e dos deveres humanos.
Assim, esperamos que jamais se sentem num banco dos réus.” O representante dos magistrados tremeu na torre.
Uma professora do
lado esquerdo da torre, aparentemente tímida, encarou o representante das
forças armadas e falou poeticamente: “Os professores do mundo todo nunca
desejaram ser mais poderosos nem mais importantes do que os membros das forças
armadas. Desejamos apenas ser importantes no coração das nossas crianças. Almejamos
levá-las a compreender que cada ser humano não é mais um número na multidão,
mas um ser insubstituível, um ator único no teatro da existência.”
A professora fez uma
pausa e completou: “Assim, eles se apaixonarão pela vida, e, quando estiverem
no controle da sociedade, jamais farão guerras, sejam guerras físicas que
retiram o sangue, sejam as comerciais que retiram o pão. Pois cremos que os fracos usam a
força, mas os fortes usam o diálogo para resolver seus conflitos. Cremos ainda que a vida é obra-prima de Deus, um
espetáculo que jamais deve ser interrompido pela violência humana.”
Os pais deliraram de
alegria com essas palavras. Mas o representante do judiciário quase caiu da
torre.
Não se ouvia um
zumbido na platéia. O mundo ficou perplexo. As pessoas não imaginavam que os
simples professores que viviam no pequeno mundo das salas de aula fossem tão
sábios. O discurso dos professores abalou os líderes do evento. Vendo ameaçado
o êxito da disputa, o mediador do evento disse arrogantemente: “Sonhadores! Vocês
vivem fora da realidade!” Um professor destemido bradou com sensibilidade: “Se
deixarmos de sonhar, morreremos!”
Sentindo-se
questionado, o organizador do evento pegou o microfone e foi mais longe na
intenção de ferir os professores: “Quem se importa com os professores na
atualidade? Comparem-se com outras profissões. Vocês não participam das mais
importantes reuniões políticas. A imprensa raramente os noticia. A sociedade
pouco se importa com a escola. Olhem para o salário que vocês recebem no final do
mês!” Uma professora fitou-o e disse-lhe com segurança: “Não trabalhamos apenas
pelo salário, mas pelo amor dos seus filhos e de todos os jovens do mundo.”
Irado, o líder do
evento gritou: “Sua profissão será extinta nas sociedades modernas. Os computadores
os estão substituindo! Vocês são indignos de estar nesta disputa.’
A platéia,
manipulada, mudou de lado. Condenaram os professores. Exaltaram a educação
virtual. Gritaram em coro: “Computadores! Computadores! Fim dos
professores!” O estádio entrou em delírio repetindo esta frase. Sepultaram os mestres.
Os professores nunca haviam sido tão humilhados. Golpeados por essas palavras,
resolveram abandonar a torre. Sabem o que aconteceu?
A torre desabou.
Ninguém imaginava, mas eram os professores e os pais que estavam segurando a
torre. A cena foi chocante. Os oradores foram hospitalizados. Os professores
tomaram então outra atitude inimaginável: abandonaram, pela primeira vez, as
salas de aula.
Tentaram
substituí-los por computadores, dando uma máquina para cada aluno. Usaram as
melhores técnicas de multimídia. Sabem o que ocorreu? A sociedade desabou. As
injustiças e as misérias da alma aumentaram mais ainda. A dor e as lágrimas se
expandiram. O cárcere da depressão, do medo e da ansiedade atingiu grande parte
da população. A violência e os crimes se multiplicaram. A convivência humana,
que já estava difícil, ficou intolerável. A espécie humana gemeu de dor. Corria
o risco de não sobreviver...
Estarrecidos,
todos entenderam que os computadores não conseguiam ensinar a sabedoria, a
solidariedade e o amor pela vida. O público nunca pensara que os professores
fossem os alicerces das profissões e o sustentáculo do que é mais lúcido e
inteligente entre nós. Descobriu-se que o pouco de luz que entrava na sociedade
vinha do coração dos professores e dos pais que arduamente educavam seus
filhos.
Todos entenderam que
a sociedade vivia uma longa e nebulosa noite. A ciência, a política e o
dinheiro não conseguiam superá-la. Perceberam que a esperança de um belo
amanhecer repousa sobre cada pai, cada mãe e cada professor, e não sobre os
psiquiatras, o judiciário, os militares, a imprensa...
Não importa se os
pais moram num palácio ou numa favela, e se os professores dão aulas numa
escola suntuosa ou pobre - eles são a esperança do mundo.
Diante disso, os
políticos, os representantes das classes profissionais e os empresários fizeram
uma reunião com os professores em cada cidade de cada nação. Reconheceram que
tinham cometido um crime contra a educação. Pediram desculpas e rogaram para
que eles não abandonassem seus filhos.
Em seguida, fizeram
uma grande promessa. Afirmaram que a metade do orçamento que gastavam com
armas, com o aparato policial e com a indústria dos tranqüilizantes e dos
antidepressivos seria investida na educação. Prometeram resgatar a dignidade
dos professores, e dar condições para que cada criança da Terra fosse nutrida
com alimentos no seu corpo e com o conhecimento na sua alma. Nenhuma delas
ficaria mais sem escola.
Os professores
choraram. Ficaram comovidos com tal promessa. Há séculos eles esperavam que a
sociedade acordasse para o drama da educação. Infelizmente, a sociedade só
acordou quando as misérias sociais atingiram patamares insuportáveis.
Mas, como sempre
trabalharam como heróis anônimos e sempre foram apaixonados por cada criança,
cada adolescente e cada jovem, os professores resolveram voltar para a sala de
aula e ensinar cada aluno a navegar nas águas da emoção.
Pela primeira vez, a
sociedade colocou a educação no centro das suas atenções. A luz começou a
brilhar depois da longa tempestade... No final de dez anos os resultados
apareceram, e depois de vinte anos todos ficaram boquiabertos.
Os jovens não
desistiam mais da vida. Não havia mais suicídios. O uso de drogas dissipou-se.
Quase não se ouvia falar mais de transtornos psíquicos e de violência. E a
discriminação? O que é isso? Ninguém se lembrava mais do seu significado. Os
brancos abraçavam afetivamente os negros. As crianças judias dormiam na casa
das crianças palestinas. O medo se dissolveu, o terrorismo desapareceu, o amor
triunfou.
Os presídios se
tornaram museus. Os policiais se tornaram poetas. Os consultórios de
psiquiatria se esvaziaram. Os psiquiatras se tornaram escritores. Os juizes se
tornaram músicos. Os promotores se tornaram filósofos. E os generais?
Descobriram o perfume das flores, aprenderam a sujar suas mãos para
cultivá-las.
E os jornais e as TVs
do mundo? O que noticiavam, o que vendiam? Deixaram de vender mazelas e
lágrimas humanas. Vendiam sonhos, anunciavam a esperança... Quando esta
história se tornará realidade? Se todos sonharmos este sonho, um dia ele
deixará de ser apenas um sonho.

Considerações finais
Enquanto
escrevia o final deste livro tive o desejo de reunir alguns dos professores do
passado, fazer um jantar para eles e agradecer-lhes. Também fiquei motivado a
reunir meus pais fora de datas comemorativas e dizer-lhes o quanto eles foram
importantes para mim. Se você tiver um desejo semelhante, faça o mesmo. Se não
valorizamos as nossas raízes, não temos como suportar as intempéries da vida.
O poético sonho do
resgate do valor da educação, esculpido pela história da grande torre, ainda é
uma miragem no deserto social. Enquanto a sociedade ainda não acorda, gostaria
de terminar este livro prestando uma homenagem aos pais e aos professores. Esta
homenagem só não é mais eloqüente devido às minhas limitações.
Homenagem aos professores
Em
nome de todos os alunos do mundo, queremos agradecer todo o amor com que
trataram até hoje a educação. Muitos de vocês gastaram os melhores anos de sua
vida, alguns até adoeceram e morreram, nesta árdua tarefa.
O sistema social não
os valoriza na proporção da sua grandeza, mas tenham a certeza de que, sem
vocês, a sociedade não tem horizonte, nossas noites não têm estrelas, nossa
alma não tem saúde, nossa emoção não tem alegria.
Agradecemos seu amor,
sabedoria, lágrimas, criatividade, perspicácia, dentro e fora da sala de aula.
O mundo pode não os aplaudir, mas o conhecimento mais lúcido da ciência tem de
reconhecer que vocês são os profissionais mais importantes da sociedade.
Professores,
muito obrigado. Vocês são mestres da vida.
Homenagem aos pais
Em
nome de todos os filhos do mundo, agradeço a todos os pais por tudo o que
fizeram por nós. Obrigado pelos seus conselhos, carinho, broncas, beijos. O
amor os levou a correr todos os riscos do mundo por nossa causa. Vocês não
deram tudo o que queriam para cada filho, mas deram tudo o que tinham.
Vocês deixaram seus
sonhos para que pudéssemos sonhar. Deixaram seu lazer para que tivéssemos
alegria. Perderam noites de sono para que dormíssemos tranqüilos. Derramaram
lágrimas para que fôssemos felizes. Perdoem-nos pelas falhas e principalmente
por não reconhecermos seu imenso valor. Ensinem-nos a sermos seus amigos...
Nossa dívida é impagável. Nós lhes devemos o amor...
Queridos
pais e professores, o tempo pode passar e nos distanciar, mas jamais se
esqueçam de que ninguém morre quando se vive no coração de alguém. Levaremos
por toda a nossa história um pedaço do seu ser dentro do nosso próprio ser.
FIM
Autor: Augusto Cury
Por: SERRÃO, M. C. S. - MICASISE
Autor: Augusto Cury
Por: SERRÃO, M. C. S. - MICASISE